Por Roderick J. Barman
Redentora e prisioneira
A libertadora dos escravos não passava de uma mulher convencional, seguidora das normas sociais de seu tempo
Para uns, ela é “A Redentora”, uma Virgem Maria de segundo escalão, por ter abolido a escravidão. Mas, por causa do seu catolicismo fervoroso, outros a consideram uma beata ignorante e reacionária. A verdade é que ideias tão diferentes a respeito da princesa Isabel dificultam a tarefa de dar vida à herdeira do trono que por tantos anos pertenceu a Pedro II.
Se D. Isabel estivesse viva hoje, não seria uma mulher de chamar atenção na rua. Não era nem bela nem sedutora, longe disso. Era baixinha e atarracada, com um rosto comum, e, para piorar, não tinha sobrancelhas e seu cabelo era ralo, provavelmente em consequência de uma doença durante a juventude. “Ela certamente não é bonita”, admitiu o futuro marido, após o primeiro encontro entre os dois. A idade piorou ainda mais sua aparência, ao engrossar seu corpo e inchar seu rosto. “Aquela medonha condessa d’Eu” foi o comentário de um observador, em 1891. Os vestidos elaborados e os chapéus elegantes, que tanto enfeitavam as mulheres da época, tornavam sua aparência ridícula. No entanto, nas palavras do marido de uma tia, era muito distinta, aristocrática até a raiz dos cabelos. Era também desembaraçada, fluente tanto no português quanto no francês, ambos falados com o sotaque da Casa de Bourbon-Nápoles, a família de sua mãe.
Quanto à personalidade, D. Isabel era direta e enfática. Sabia o que queria e não tinha medo de expressar suas opiniões. Como disse seu pai em 1863, “a Izabel parece que ha de ser imperiosa” – previsão que não se cumpriu, pois suas atitudes não correspondiam às suas opiniões. De natureza convencional, faltava-lhe a determinação e a firmeza de vontade necessárias para que pudesse desconsiderar as normas sociais da época. Como por instinto, ela se dobrava às normas vigentes, permitindo de bom grado que sua vida fosse moldada por dois homens: o pai e o marido
Entre o trono e o altar
Católica fiel às orientações do papa, a princesa Isabel abraça uma causa, alcança uma graça e se torna a redentora dos escravos no Brasil
Uma princesa de vassoura na mão varrendo a igreja? E ainda jogando no corpete de seu vestido o pó recolhido do chão? Apesar de estranha, a cena se passou em Guaratinguetá, em 1884. A personagem era a herdeira do trono de D. Pedro II, a princesa Isabel, que cumpria uma promessa feita anos antes à Virgem Aparecida. A graça alcançada era ter gerado filhos.
Em Petrópolis, a princesa também era vista frequentemente limpando templos católicos. De fato, ela se consumia em atividades religiosas. Cantava no coral da igreja, participava da adoração ao Santíssimo Sacramento, cuidava da ornamentação do altar. Não raro, passava o dia todo na igreja.E assim, aos poucos, começava a incomodar muita gente.
Além das práticas católicas, sua rotina era comum aos padrões das mulheres de seu tempo e de seu segmento social. Em sua casa, na Corte ou em Petrópolis, Isabel se dedicava com afinco ao cultivo de flores, tocava piano, recebia amigos e parentes, escrevia cartas. Ao lado do marido, o conde d’Eu (1842-1922), abria os salões de seu palácio em Laranjeiras para animados saraus e jantares. Mas, em meio a tudo isso, reinava uma forte religiosidade, que marcou não só sua história pessoal como também a própria História do Brasil.
Sempre na berlinda
As imagens conflitantes de D. Isabel na imprensa mostram uma sociedade dividida à época da Abolição
Irradiando a luz da liberdade. É assim que D. Isabel é retratada numa das charges após a assinatura da Lei Imperial no 3.353, mais conhecida como Lei Áurea, devido ao seu valor para a sociedade brasileira. Esta é mais uma dasinúmeras imagens da princesa veiculadas na imprensa na época, num momento em que estava em jogo a existência ou não do Terceiro Reinado. De fato, a maneira como defensores e detratores do regime retratavam a monarquia poderia determinar a sobrevivência do Império, já que seriam capazes de influenciar decisivamente os rumos tomados pela elite dirigente, bem como o próprio imaginário popular, no que se referia à capacidade da herdeira de tocar os assuntos de Estado. A imprensa, portanto, foi uma arena privilegiada tanto para atacar quanto para defender as ações de D. Isabel como regente.
Em 3 de maio de 1888, a Revista Illustrada, editada no Rio de Janeiro por Angelo Agostini, destacava que “todos compreenderam que à excelsa Princesa se devia um testemunho de apreço, pelo muito que também fez em prol dos cativos”.A união entre as aspirações populares e a atuação decisiva da regente no processo de derrubada do escravismo no Brasil é representada com entusiasmo na publicação de 5 de maio de 1888.
A ideia de que a monarquia agia com o intuito de responder às necessidades da sociedade brasileira poderia significar a própria longevidade do regime. Portanto, a nomeação do Gabinete da Abolição, sob a liderança do conselheiro João Alfredo, no lugar do Gabinete Cotegipe – liderado por João Maurício Wanderley, o barão de Cotegipe, associado aos interesses escravocratas – marcou uma guinada política sem precedentes no Segundo Reinado em direção ao fim da escravidão. Além disso, materializou a liderança da regente no comando dos assuntos de Estado. A Illustrada não deixou por menos: o apoio inconteste de D. Isabel ao abolicionismo foi ressaltado em forma de charge, na qual os escravistas aparecem representados pelo Gabinete Cotegipe. Afinal, destituir um político influente como o barão de Cotegipe demonstrava coragem. Após realçar a Falla do Throno de 3 de maio de 1888, o semanário expressa as intenções libertadoras da regente – a responsabilidade que é jogada sobre os legisladores, sugerindo também uma ação mais incisiva do clero na questão abolicionista.
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