A questão iraniana já está dominada pela emoção. É preciso, então, deputar o raciocínio para que a razão volte a preponderar. Para isso, vamos, inicialmente, separar os dois aspectos que envolvem a mesma questão:
A- a espetacular jogada da diplomacia brasileira que com o Acordo de Teerã, assinado domingo, colocou em cheque e na defensiva toda a estrutura logística norte-americana de perpetuação de seu poder hegemônico global:
B- os interesses estratégicos permanentes do Brasil (soberania nacional) que estão sob ameaça, tanto quanto os do Irã, no que diz respeito ao direito de desenvolver, com autonomia, seus programas nucleares para fins pacíficos.
No item A, que chamaremos de “jogo diplomático” e onde tem preponderado o estardalhaço, a diplomacia brasileira desnudou a farsa montada pelo Departamento de Estado norte-americano que visava constranger o governo iraniano a abrir mão de seu programa nuclear, fosse pacífico ou não, fosse militar ou não: o acordo assinado em Teerã por Lula, Ahmadinejad e Recep Erdogan, o primeiro ministro turco, é absolutamente igual ao proposto em outubro do ano passado pelas potências ocidentais e que o Irã não assinou porque não confia nelas, na palavra delas.
Por que agora este acordo é considerado insuficiente? Porque quando o propuseram, há oito meses, os Estados Unidos sabiam que Ahmadnejad não o assinaria o que abriria caminho para as sanções econômicas, algo que já estava previamente decidido. Agora que o Irã o assinou, ele não vale mais. É a velha historia do lobo dizendo ao cordeiro, ”se não foste tu que turvaste minha água então foi teu pai e se não foi teu pai foi teu avô".
Qual o motivo (pretexto) usando para invalidar algo que eles mesmos sugeriram e que agora é considerado insuficiente? “Não se pode confiar na palavra dos aiatolás”, é a resposta. Mas surge a questão: pode-se confiar na palavra do Departamento de Estado dos EUA? Onde estão as armas químicas denunciadas para justificar a invasão do Iraque?
Passemos ao ítem B:
Há dois anos, as principais potências ocidentais vêm tentado alterar (para ampliar) as normas e exigências do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), através da assinatura de um protocolo adicional que daria à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), subordinada à ONU, mas controlada pelos Estados Unidos, uma capacidade muito maior de inspeção (e espionagem) dos programas nucleares de países emergentes.
No caso do Brasil, que está a um passo de obter tecnologia própria para efetivar o ciclo completo do enriquecimento do urânio, esse protocolo adicional fere de forma irreparável a soberania nacional, criando um dependência eterna de fontes externas de tecnologia num setor (o atômico) que será, neste século, vital para a produção de energia limpa e para o uso médico, especialmente no combate ao câncer.
Logo, ao defender o direito do Irã e de qualquer outro país de acesso à tecnologias nucleares, o Brasil defende essencialmente os seus interesses estratégicos e comerciais. Isto, pela boa razão de que possuímos mais de cinqüenta por cento das reservas naturais de urânio do planeta e estamos em vias de ingressar no seleto grupo dos apenas seis países que controlam o processo integral de enriquecimento desse minério.
Não é exagero dizer que por detrás do estardalhaço diplomático envolvendo o Irã, o que há , na verdade, é uma guerra comercial de grandes proporções cujo enredo é conhecido: uma minoria detentora de algo que a diferencia tecnologicamente procura, por razões exclusivas de lucro, manter este status privilegiado.
José Serra e o Globo já mostraram suas posições a favor dos interesses estratégicos norte-americanos. Lula e os nacionalistas brasileiros, a começar pelo ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães (o primeiro a denunciar a jogada comercial das grandes potências), defendem os interesses permanentes do Brasil. Escolha você o seu lado.
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