Por Rejane Ferreira *
A teoria marxista conduz à desmitificação do fetichismo da mercadoria e do capital. Desvenda-se o caráter alienado de um mundo que as coisas como pessoas e as pessoas são dominadas pelas coisas que elas próprias criam.
Durante o processo de produção a mercadoria ainda é matéria que o produtor domina e transforma em objeto útil. Uma vez posta à venda no processo de circulação, a situação se inverte: o objeto domina o produtor. O criador perde o controle sobre sua criação e o destino dele passa a depender do movimento das coisas, que assumem poderes enigmáticos. Enquanto as coisas são anemizadas e personificadas, o produtor se coisifica. Os homens vivem, então num mundo de mercadorias, um mundo de fetiches. Mas o fetichismo da mercadoria se prolonga e implica no fetichismo do capital.
A crítica ao fetichismo do capital vincula-se intimamente à decifração do segredo da acumulação originaria do próprio capital. Como teria vindo ao mundo tão estranha entidade que conquistou a soberania sobre os homens e as coisas?
O modo de produção capitalista se afirma à medida que dispensa os processos da acumulação originária e difunde processos específicos de exploração e valorização, que conduzem à produção da mais-valia.
Para Marx o trabalho não é senão o uso da força de trabalho, cujo conteúdo consiste nas aptidões físicas e intelectuais do operário. Sendo assim, o salário não paga o valor do trabalho, mas da força de trabalho, cujo uso, no processo produtivo, cria um valor contido no salário. Dessa maneira, que a quantidade de trabalho “comandado” pela mercadoria acima do trabalho que custara, segundo a concepção de Smith, era precisamente a mais-valia. O lucro deixava de ser uma “dedução” do produto do trabalho e se identificava como sobreproduto, por isso mesmo apropriado pelo comprador da força de trabalho na sua condição capitalista.
Ao contrario dos economistas que continuavam a identificar o sobreproduto com uma das suas aparências fenomenais a renda da terra, no caso dos fisiocratas, ou o lucro, no caso de Smith e Ricardo, Marx abstraiu a mais-valia de suas manifestações particulares e, dessa maneira, cortou os vários górdios que obstaculizavam o desenvolvimento consequente da teoria do valor.
Nesse sentido, a economia politica nada diz sobre até que ponto estas condições exteriores, aparentemente acidentais, são apenas a expressão de um desenvolvimento necessário. A troca parece um fato acidental. Os únicos motivos que põem em movimento a economia politica são a avareza e a guerra entre os avaros e a competição.
Precisamente porque a economia politica não compreende as interconexões deste movimento, foi possível, por exemplo, opor a doutrina da concorrência à do monopólio, a doutrina da liberdade de profissão à da guilda, a doutrina da divisão da propriedade fundiária à da grande propriedade, uma vez que a concorrência, a liberdade das profissões, a divisão da propriedade fundiária se desenvolveram e compreenderam só como consequências acidentais, voluntárias, violentas e não como consequências necessárias, inevitáveis, naturais do monopólio, do sistema da guilda e da propriedade feudal.
Assim, temos agora de apreender a conexão essencial entre todo este sistema de alienação da propriedade privada, espirito de aquisição, a separação do trabalho, capital e propriedade fundiária, troca e concorrência, valor e desvalorização do homem, monopólio e concorrência, e o sistema do dinheiro.
O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias, produz também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens.
Semelhante fato implica apenas que o objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, se lhe opõe como ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho, o seu é o trabalho que fixou num objeto, que se transformou em coisa física, é a objetivação do trabalho. A realização do trabalho constitui simultaneamente a sua objetivação.
A realização do trabalho aparece na esfera da economia politica como desrealização do trabalhador, a objetivação como perda e servidão do objeto, a apropriação como alienação. A apropriação do objeto manifesta-se a tal ponto como alienação que quanto mais objetos o trabalhador produzir, quanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domínio de seu produto, do capital.
A economia politica esconde a alienação na natureza do trabalho porquanto não examina a imediata relação entre o trabalhador (trabalho) e a produção. No entanto, a alienação não se revela apenas no resultado, mas também no processo da produção, no interior da própria atividade produtiva. O trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si.
Referências:
MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro 3, Vol. IV, 4ª ed, São Paulo: Difel, 1985.
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. Lisboa: Edições 70. 1963.
* É acadêmica da Universidade Federal do Amazonas.
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