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quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Brasil na Primeira Guerra Mundial



Sumário dos fatos e condições que levaram o Brasil a entrar na Grande Guerra, suas ações e as conseqüências do conflito

A participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial é um incidente pouco conhecido e, em termos do Conflito, de pequenas conseqüências. Contudo, deu-se em um momento delicado de nossa história e inseriu-se dentro de uma proposta de se obter uma maior participação nacional nos negócios mundiais, de forma que teve uma relativa importância local. Mais importante do que isso, as suas conseqüências econômicas foram marcantes, de forma que abordar o assunto é relevante para o sítio Grandes Guerras, como uma demonstração de como o Grande Conflito influenciou muito a situação mundial, mesmos nos países que tiveram uma pequena participação nele. 

A situação do Brasil nas vésperas do conflito não era das melhores. O boom econômico da borracha, que tinha financiado em parte os programas de modernização da marinha (adquiriu dois encouraçados, dois cruzadores e 10 contratorpedeiros do último tipo em 1910) e do exército (comprou centenas de metralhadoras, 212 canhões de diversos calibres e 400.000 fuzis Mauser entre 1905 e 1910) tinha acabado, com a substituição das importações europeias pela borracha da Malásia. Isso resultou no fato de que as forças armadas contassem com equipamentos modernos, mas carecessem de meios de operá-los eficazmente. 

Por outro lado, a situação social e econômica também era complicada. A economia nacional ainda era basicamente fundamentada na exportação de apenas um produto agrícola, o café (na década de 1900 a 1910, correspondia 53% da pauta de exportações, a borracha sendo responsável por outros 26%), e este não podia ser classificado como essencial, de forma que suas exportações (e as rendas alfandegárias, a principal fonte de recursos do governo) diminuíram com o conflito. Isto foi um fator que se acentuou com o imediato bloqueio imposto às Potências Centrais e, mais tarde, com a proibição de se importar café feita pela Inglaterra em 1917, quando esta passou a considerar que o espaço de carga nos navios era necessário para produtos mais vitais, por causa das grandes perdas causadas pelos afundamentos de navios mercantes pelos alemães. 

Do ponto de vista da economia não-agrícola, ainda muito incipiente neste período, pode-se dizer que a Guerra ajudou no desenvolvimento de uma indústria local, pois foi necessário montar-se um esquema de substituição de importações, com a criação de fábricas no Brasil. Contudo, esse processo não foi tão acelerado quanto poderia ter sido, pois os tradicionais países exportadores de capital, que financiariam estes empreendimentos fabris, estavam envolvidos no conflito e, sem os recursos provenientes das exportações de café, faltava dinheiro para financiamento industrial. 

Aos problemas econômicos, juntavam-se outros, de natureza social. Para se conseguir braços para a lavoura, o Brasil tinha implantado uma política de incentivo à imigração, sendo que no período de 1904 a 1913, tinham entrado mais de um milhão de imigrantes no país – 4% da população total, de 25 milhões. Esses números tornam-se mais significativos quando lembramos que eles vieram a se juntar à outros imigrantes já morando no Brasil e que a maioria de importantes grupos étnicos envolvidos no conflito (duzentos mil italianos, 56.000 alemães e austríacos e 42.000 turcos) se concentravam em uma região restrita, São Paulo e, principalmente, nos três estados do sul do país (onde esses imigrantes recém chegados, compunham por volta de 10% da população total). 

Como o governo não tinha uma política de assimilação cultural para esses imigrantes, havia diversos enclaves onde a língua – inclusive a escrita, em jornais – era a de seus países de origem, não havendo uma identificação desses imigrantes com a sua nova nação. Muito pelo contrário, eles se viam mais como nacionais europeus do que como brasileiros. 

Finalmente, a crise econômica causada pela guerra teve suas conseqüências no espaço urbano, com o crescimento dos problemas trabalhistas nas fábricas, ocasionado pelas péssimas condições de trabalho, baixos salários e alta inflação. Estes fatores incentivavam a ação dos anarquistas e outros socialistas entre os trabalhadores, levando ao surgimento de um movimento operário que era contrário à guerra europeia. Por exemplo, uma assembléia realizada em março de 1915 com representantes de organizações e jornais operários, criou uma “Comissão Popular de Agitação contra a Guerra”, que conseguiu considerável adesão. No dia 1º de maio daquele ano foi feita uma manifestação no largo de São Francisco, com cartazes contra o conflito, entre os quais havia uns onde se lia “Viva a Internacional” [Socialista], “Abaixo a Guerra” e “Queremos a paz”. Nesta ocasião foi lido um manifesto pela paz, onde estava escrito, sem exagero: 
“Os efeitos maus da guerra não se delimitam às fronteiras das nações conflagradas. Eles repercutem mais ou menos fundamente por toda a parte. No Brasil, por exemplo, nunca se atravessou crise parecida com a atual. As fábricas, as oficinas estão paradas, e as que ainda não o estão, funcionam dois ou três dias por semana. Formam legiões os operários sem trabalho. Por outro lado, a carestia dos gêneros de primeira necessidade é cada vez mais acentuada. Atravessamos uma situação como jamais se viu. A miséria agora é regra. Milhares de famílias proletárias passam fome”. 
No ano anterior ao início do conflito (1913), os salários perdem 25% do seu valor, enquanto os preços aumentam 23% um ano depois do início da Guerra, fator agravado com o aumento dos impostos gerais, feito pelo governo para suprir a queda das rendas alfandegárias, dando razão aos trabalhadores, que viam na Guerra um dos seus maiores problemas. 

Muitos desses problemas sócio-econômicos já existiam e eram evidentes em agosto de 1914, de forma que a decisão do então presidente Hermes da Fonseca, de manter uma estrita neutralidade é perfeitamente compreensível, já que qualquer outra medida só aumentaria os conflitos internos. Apesar disso, o Brasil foi o único país da América do Sul a protestar formalmente contra a invasão da Bélgica pelos Alemães. 

No processo de firmar a nossa neutralidade, o presidente baixou o decreto 11.037, de 4 de agosto de 1914, definindo estritas regras de conduta para o país, com a proibição de atracamento de navios de guerra e de recrutamento de pessoal para ir lutar no exterior, além de vedar o armamento de corsários, exportação de material de guerra, instalação de estações de apoio aos beligerantes (inclusive radiotelegráficas), dentre outros. Esses decretos foram detalhados e ampliados em outros documentos legais, os decretos 11.093, de 24 de agosto e 11.141, de 9 de setembro. 

É óbvio que nem todas as ações contrárias à neutralidade brasileira podiam ser evitadas. O caso dos corsários, como o Möwe, que teria se abastecido de carvão no então distante e abandonado igarapé do Inferno, no Amapá (28 de janeiro de 1917) é sintomático dos problemas de nossa marinha em patrulhar a costa, apesar de ter sido criada uma força de patrulha justamente para coibir este tipo de atividade. Registros abundam da ação desses incursores de superfície nas nossas costas, desde o já citado Cap. Trafalgar, indo até o Karlsruhe e o famoso Seeadler. Só não se pode dizer que foi totalmente ineficaz, pois a instalação de uma pequena guarnição na ilha da Trindade em 1916, equipada com um rádio, impediu uma repetição do incidente do desarmamento da Eber: quando o corsário Wolf, de acordo com as memórias de seu comandante, percebeu o tráfego de rádio vindo de Trindade, ele deixou de usar a ilha como ponto de abastecimento de carvão. 

Independentemente da vontade brasileira e da eficiência da aplicação das normas, a política de neutralidade tinha seus problemas. O Brasil, por exemplo, não considerava o café como material de guerra – nem o poderia fazer, já que era a base de sua economia –, mas o produto era visto como contrabando por todos os beligerantes, estando sujeito a imediata apreensão assim que fosse descoberto a caminho de um porto inimigo. Isso resultou na imediata proibição de venda para as Potências Centrais, mas conseguimos manter um certo comércio com os aliados, vendendo café aos ingleses (pelo menos até 1917), e aos franceses durante o conflito. Isso não foi muito problemático nos dois primeiros anos da Guerra, pois, de acordo com as normas do direito internacional, um bloqueio só poderia ser declarado se ele pudesse ser efetivamente implantado, com a inspeção de navios suspeitos, para procura de contrabando de guerra. Devido à superioridade naval inglesa, era impossível aos alemães estabelecerem um bloqueio nesses termos aos portos aliados, de forma que nossos navios, navegando totalmente iluminados, com o nome do País pintado no casco e a bandeira içada, para não serem confundidos com navios de guerra, podiam seguir até os portos aliados. 

Desta forma, somente um navio brasileiro, o Rio Branco, foi afundado por um submarino nos primeiros anos da guerra (em 3 de maio de 1916), mas este estava em águas restritas, operando a serviço inglês e com a maior parte de sua tripulação sendo composta por noruegueses, de forma que, apesar da comoção nacional que o fato geral, não poderia ser considerado como um ataque ilegal dos alemães. 

Esta situação de paz se alterou em 1º de fevereiro de 1917. Neste momento, o almirante Tirpiz, convencido que uma campanha irrestrita de ataques ao comércio teria condições de retirar a Inglaterra da Guerra, autorizou seus submarinos a afundar qualquer navio que entrasse nas zonas de bloqueio, sem as formalidades legais da vistoria para verificar se o navio portava contrabando ou não. 

Sabedor dessa medida, Lauro Müller, o ministro das relações exteriores do Brasil, apesar de ser considerado germanófilo (era descendente de alemães), reuniu os embaixadores e representantes de outras nações sul-americanas em Petrópolis, conseguindo o apoio para uma tomada de posição firma por parte do Brasil, com relação a nova política alemã, fato este que foi facilitado pelo fato noticiado na imprensa, poucos dias depois, da descoberta de uma estação de rádio clandestina alemã, em Niterói. 

Mesmo assim, em 9 de fevereiro, o ministro das relações exteriores alemão, Zimmerman, encaminhou um ofício a Lauro Müller, nos seguintes termos: 

“... contra suas intenções, devido à atitude dos inimigos da Alemanha, [esta] se vê na obrigação de abater as restrições às quais se sujeitou o emprego de suas forças navais durante quase dois anos, apesar dos importantes interesses militares prejudicados por semelhante resolução”. 

O documento era acompanhado de outro, a notificação de bloqueio de 31 de janeiro, em que se colocava que: 

O Governo Imperial [da Alemanha] não poderia assumir a responsabilidade perante sua própria consciência, perante o povo alemão, perante a História, de não utilizar todos os meios para apresar o fim da Guerra. Tinha sido o desejo e a esperança de ai chegar por via de negociações. Os adversários têm respondido à tentativa de entrar nesse caminho pela declaração de intensificar a luta. O Governo Imperial, para servir a humanidade em sua expressão mais alta e para não se sobrecarregar com pesada falta aos olhos de seu próprio povo, deve pôr em ação todos os meios a fim de continuar a luta a que foi compelido para defender sua existêcnia. Vê-se forçado pois a suprimir as restrições mantidas até agora no emprego dos meios de combater no mar ...” 

No mesmo dia do recebimento do documento, o embaixador na Alemanha o respondia, afirmando que os termos da proclamação eram inaceitáveis, pois o bloqueio por submarinos não poderia ser considerado como legal e efetivo, além de protestar contra as imensas áreas declaradas como estando sob bloqueio e contra a forma como as operações se dariam, sem restrições. O protesto brasileiro terminava concluíndo: 

Por isso o Governo brasileiro, não obstante o seu sincero e vivo desejo de evitar divergências com as nações amigas ora em luta armada, sente-se no dever de protestar contra esse bloqueio, como efetivamente protesta e, em conseqüência disso, deixo ao Governo alemão a responsabilidade de todos aqueles casos que se derem com cidadãos, mercadorias e navios brasileiros, desde que se verifique a postergação dos princípios reconhecidos do Direito Internacional ou de atos convencionais dos quais o Brasil e a Alemanha sejam parte”. 

Os protestos brasileiros caíram em ouvidos moucos. Em 5 de abril o Paraná, um dos maiores navios da nossa frota mercante (4.466 toneladas), carregado de café, foi torpedeado a 10 milhas do Cabo Barfleur, na França, apesar de vir iluminado, estar com a bandeira brasileira içada e ter a palavra “Brasil” pintada no casco. Somando-se a esta ofensa, o submarino alemão, emergindo, ainda disparou cinco tiros de canhão contra os náufragos, além de, obviamente, não prestar socorros a eles. 

A reação do governo foi a de se recusar a receber o embaixador alemão, Pacti, que tinha ido apresentar explicações sobre o incidente. De forma mais contundente, as relações diplomáticas com a Alemanha foram rompidas no dia 11 do mês, com o argumento de que o bloqueio germânico era ilegal do ponto de vista do direito internacional, não sendo aceito pelo Brasil, além da desumanidade do ataque feito contra o Paraná. Neste momento foram devolvidos os passaportes aos funcionários alemães no Brasil, não mais vistos como personas gratas. Além disso, se assumiu a posse legal dos navios mercantes alemães surtos nos nossos portos, sem os confiscar, contudo, só se determinando que fossem colocados guardas a bordo deles, para reduzir a sabotagem que já estavam sofrendo por parte de suas tripulações. 

A neutralidade, contudo, foi mantida, como pode-se observar pelo decreto 12.458, de 25 de abril, que declarava o País neutro no conflito que se estabelecia entre as Potências Centrais e os Estados Unidos, que tinham entrado em guerra em 9 do mês, ainda em função da campanha submarina irrestrita. Essa decisão moderada não foi bem vista por todos. O povo foi as ruas, clamando por uma reação mais forte do Governo, posição que foi apoiada por políticos da oposição, como Rui Barbosa, que fez um discurso dizendo que o mero abandono da neutralidade não seria suficiente – nada além da entrada na Guerra satisfaria a nação. Rui Barbosa colocava ainda que a posição do Brasil era semelhante à dos EUA, perguntando se as vidas dos brasileiros valeriam menos do que as dos norte-americanos, já que eles tinham entrado na Guerra e nós não. 

Se a declaração de guerra dos EUA à Alemanha não tinha sido suficiente para parar o conflito, certamente não seriam os protestos do Brasil que fariam diferença, de forma que a campanha submarina contra o comércio continuou – e as consequências desse fato para o Brasil não tardaram. Em 20 de maio outro navio brasileiro, o Tijucas, foi afundado ao largo de Brest, sendo seguido seis dias depois, pelo Lapa, que foi inspecionado e afundado por três disparos de um submarino, ao largo da Cabo Trafalgar. 

Em função desses ataques, o presidente Wenceslau Brás declarou sem efeito nossa neutralidade em relação aos EUA (permitindo o uso de nossos portos e outras pequenas vantagens aos navios de guerra norte americanos), fato que foi aproveitado de imediato pelos norte-americanos, que enviaram uma esquadra com quatro encouraçados em meados de junho, para fazer uma visita de boa vontade ao Brasil. Wenceslau Brás também autorizou o uso dos navios alemães que aqui se encontravam (decreto legislativo 3.266, de 1 de junho e decreto 12.501, de 2 de junho). Finalmente, os benefícios dados aos norte-americanos foram estendidos a neutralidade em relação a França, Inglaterra, Japão e Portugal, mantendo uma dúbia neutralidade em relação aos conflitos que ocorriam entre a Itália e Alemanha e entre os aliados e a Áustria-Hungria, Império Otomano e Bulgária. 

Esses fatos foram recebidos de forma diversa pela população. Um importante segmento, alimentado pela máquina de propaganda, assumia uma posição agressiva contra as potências centrais, como quando da suposta descoberta pelo contra-torpedeiro Maranhão do que seria uma base de operações de submarinos alemães em Combari, perto de Santos, ou a acusação de que o incêndio do jornal o “O Paiz” teria sido causado por um alemão, de nome Hubner, dentro de uma atuação de sabotagem semelhante a que ocorria nos EUA. Para atender essas pessoas – e mostrar uma posição firme – o general Lauro Müller foi substituído no ministério por Epitácio Pessoa. 

Mas a ameaça de guerra não tinha conseguido afastar de todos os problemas que o conflito vinha trazendo ao País. A questão operária, tratada como se fosse “caso de polícia”, vinha recrudescendo, com o aumento do custo de vida, inflação e congelamento de salários, a ponto de estourar a primeira grande greve entre os operários de São Paulo. Em junho de 1917, estes cruzam seus braços, pedindo 20% de aumento, em 14 de julho o número de grevistas chegava a 40.000 e o movimento se alastrava para Santos e Campinas. Alguns aumentos são obtidos e o movimento se encerra, mas é considerado um marco no movimento sindical brasileiro e pode ser usado também como índice do aumento da industrialização, pois agora o setor urbano já era numeroso suficiente para causar preocupações ao governo. 

Do ponto de vista do conflito externo, a situação continuava a mesma, a campanha de submarinos prosseguia e o Brasil tinha que manter seu comércio de exportação de café, de forma que novos confrontos eram inevitáveis. Os navios alemães apresados aqui faziam parte da “Lista Negra” aliada, o que permitia a sua apreensão pelos aliados, mas o Brasil fez um acordo com a França, arrendando 30 deles (com tripulações brasileiras) e passando a usar os 15 outros, retirados da lista negra. Os que não se encontravam muito sabotados por seus tripulantes alemães (recolhidos em campos de internação no Rio de Janeiro), foram imediatamente postos em uso no comércio exterior. Um desses, o Macau, ex-Palatia, em 18 de outubro estava com uma carga de café a 200 milhas do Cabo Finesterra, quando foi parado por um submarino alemão. O capitão do navio, seguido por seu despenseiro, foram a bordo do submarino com os papéis do cargueiro, sendo aprisionados (e nunca mais vistos). O navio em seguida foi torpedeado. 

O conflito já existia de fato e só restava ao governo brasileiro reconhecer a existência do estado de guerra (o Brasil nunca declarou guerra a ninguém). Assim, o presidente Wenceslau Brás enviou em 25 de outubro uma mensagem ao congresso, onde dizia: "... não haver como iludir a situação ou deixar de constatar o estado de guerra que nos é imposto pela Alemanha”. O Congresso, no dia seguinte, aprovava o decreto 3.361, onde se “reconhecia e proclamava o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil”. 

Os contra-torpedeiros Piauí e Mato Grosso foram enviados para a Bahia, para capturar a canhoneira Eber, mas os tripulantes desta conseguiram incendiar o navio antes que pudessem ser detidos. Além disso, como uma das primeiras medidas de reforço da nacionalidade, os jornais em língua alemã foram proibidos. Mas esses atos não atendiam os interesses dos políticos, que queriam uma participação mais ativa, como uma forma de vingança e para desviar a atenção dos problemas internos. Desta forma, foi criada a Divisão Naval em Operações de Guerra (D.N.O.G.), além de ter sido declarado o Estado de Sítio nos estados do Sul (com numerosos imigrantes estrangeiros) e no Rio de Janeiro e São Paulo, por causa das agitações operárias. 

A iniciativa da criação de uma divisão naval tinha sido apresentada pelo Brasil na conferência de Paris, no final de novembro, com a oferta de dois cruzadores leves (Bahia e Rio Grande do Sul) e de quatro contra-torpedeiros, para operar no circuito Dacar-São Vicente-Gibraltar. Aceita a oferta, a Divisão foi criada em 30 de janeiro de 1918, com os citados cruzadores e os contra-torpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina, sob o comando do contra-almirante Pedro Max Fernando de Frontin.  Finalmente, o rebocador Laurindo Pita (hoje preservado como navio-museu no Rio de Janeiro) completava a DNOG, com um efetivo total de 1502 homens: 75 oficiais de armada, 4 médicos, 50 oficiais de máquinas, 5 oficiais comissários (intendentes), um farmacêutico, um dentista, um capelão, um sub-maquinista, 41 sub-oficiais, 43 mecânicos, 4 auxiliares de fiel, 702 marinheiros, 481 foguistas, 89 taifeiros, um padeiro e três barbeiros. 

Deve-se observar que essa oferta não era apenas simbólica – os aliados necessitavam urgentemente de navios e tripulações para o serviço de escolta de comboios. Por exemplo, 22 comboios (19 lentos e 3 rápidos) foram organizados entre o Rio de Janeiro e a Inglaterra em 1917 e 1918, e, para acompanhar esses comboios, eram necessários navios de guerra – e isto em uma frente secundária. O desespero por navios e, mais ainda, tripulações, era tal que a Inglaterra teve que desativar alguns encouraçados velhos para usar as tripulações em navios de escolta e aceitou-se até o envio de uma esquadra de destróieres japoneses para operar no Mediterrâneo, cedendo a eles também dois contratorpedeiros ingleses, para serem tripulados por nipônicos.

Mesmo sendo uma medida necessária, a formação da flotilha brasileira sofreu de uma série de problemas, desde o início. Os navios brasileiros, lançados ao mar em 1910, não estavam equipados para a guerra anti-submarina, pois não tinham hidrofones para detecção de embarcações submersas e não havia calhas especializadas para o lançamento de bombas de profundidade. Além disso, os navios eram movidos por máquinas a vapor queimando carvão, o que exigia um número elevado de foguistas e demandava reabastecimentos constantes, fator agravado pelo pequeno porte de todas as embarcações – os contra-torpedeiros tinham somente 600 toneladas e um raio de ação muito limitado, exigindo constantes transferências de carvão, atividade muito complicada de ser feito em alto-mar. Finamente, devido à própria Guerra, que impedia o fornecimento de peças de reposição, as caldeiras dos cruzadores precisavam ser reparadas, o que não pode ser feito no Brasil. 

Apesar de todos os pesares, a Divisão seguiu para o Teatro de operações em 16 de julho de 1918. Na viagem, o incidente mais notável teria sido um ataque de torpedo feito contra o tender Belmonte, nas proximidades de Dacar, felizmente não bem sucedido. O suposto submarino foi atacado por tiros de canhão e bombas de profundidade, mas o ataque e o possível afundamento do submarino não puderam ser confirmados. Contudo o almirantado inglês informou sobre o desaparecimento de um submarino alemão que operava na rota da DNOG. 

Em Dacar, onde a Divisão chegou em 26 de agosto, após sucessivas paradas na rota, os navios receberam ordens de operar na área de Cabo Verde, até então só patrulhada – de forma inadequada – por duas canhoneiras inglesas. Os problemas, entretanto, continuavam. O vírus da gripe espanhola, adquirido em Freetown, começou a causar baixas (no final, a DNOG perderia 110 mortos e 140 incapacitados pela doença: 17% do seu efetivo total). Somava-se a isso os problemas mecânicos, que imobiliziram os dois cruzadores e um dos contra-torpedeiros, o que certamente reduziu em muito a eficácia de ação da Divisão. 

Após algum tempo, nossos navios receberam ordens dos ingleses para seguirem para Gibraltar, tendo ocorrido na rota alguns incidentes. O Almirante Frontin fora alertado pra tomar cuidado, pois o encouraçado Britânia, designado para acompanhar a flotilha brasileira tinha sido afundado em rota por um submarino e havia um alerta de presença de submersíveis na área. Desta forma, foi com muita tensão que navegamos, o que pode ser a explicação de duas confusões que ocorreram. A primeira foi a muito conhecida “batalha das toninhas”, quando um cardume destes peixes foi confundido com o rastro de um periscópio, fazendo com que o Bahia disparasse seus canhões contra os peixes. O outro incidente foi um ataque de canhões, feito pelo contra-torpedeiro Piauí contra o caça-submarinos 190 da marinha norte-americana, confundido com um submarino devido às suas pequenas dimensões, felizmente sem causar danos ao navio aliado, que logo se identificou. 

A Divisão chegou a Gibraltar no dia 10 de novembro, às vésperas do armistício, retornando ao Brasil após uma visita de boa vontade à Inglaterra. A ação da DNOG não foi das mais gloriosas. Mesmo tendo sido uma tentativa de mostrar nossa capacidade e vontate de combater o inimigo, serviu mais para ilustrar as deficiências que nossa incipiente marinha tinha que superar. Isso fica claro nos “comentários finais” escritos na História Naval Brasileira, a obra oficial que trata do assunto: 

“A DNOG escreveu página mais triste do que gloriosa da História da Marinha brasileira. Mas nossa participação na Primeira Guerra, com suas dificuldades e limitações, foi grito de alerta sobre a importância de se manter permanentemente força naval pronta e adestrada, mesmo que modesta, pois, dispondo-se do material, os marinheiros que o guarneceriam não desmentirão, a bravura, a abnegação, o entusiasmo, o espírito de sacrifício, que foram o apanágio das tripulações da DNOG”. 

Afora a participação da Divisão Naval, o Brasil também enviou um hospital completo para Paris, com 100 médicos e pessoal de apoio, assim como oficiais para participarem do conflito, aprendendo as últimas técnicas que estavam sendo desenvolvidas, como as relativas à aviação (oito pilotos lutaram com a RAF, sete da marinha e um do exército) e em terra. Houve até um oficial que esteve presente na Batalha de Jutlândia e outros combateram na Frente Ocidental. Um deles, o tenente Carlos de Andrade Neves, morreu de doença enquanto servia no 8º Regimento de Artilharia de Campanha Francês, em 1918. 

Destes oficiais que serviram no exército francês, o caso mais importante e famoso foi de José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que comandou pelotões de cavalaria francesa de três regimentos diferentes, sendo que pelo menos em um dos casos ele comandou uma pequena unidade do 504 Regimento de Dragões, equipados com tanques (Renault FT-17). A experiência adquirida com esses carros e o papel deles no conflito fez com que o exército comprasse o primeiro material blindado do País, uma companhia de 12 carros Renault FT-17, que seria comandada por Albuquerque. A experiência dele com os carros permitiu também que eles fossem adaptados para o Brasil, corrigindo-se uma série de pequenos defeitos de projeto. Por essas razões o General Albuquerque é conhecido como o pai da força blindada brasileira. 

Além disso, a Guerra – e a compreensão das novas realidades causadas pelo conflito – facilitou em muito a implantação do recrutamento obrigatório no Brasil. Esta era uma campanha que vinha sendo desenvolvida à vários anos pela Liga de Defesa Nacional, e por alguns expoentes de nossa cultura, o maior de todos sendo o poeta Olavo Bilac. Entretanto, essa proposta não tinha tido muito sucesso. Durante a Guerra, todos os grandes exércitos passaram a ser compostos de recrutas conscritos, sendo que alguns dos grandes exércitos já antes da Guerra eram compostos de cidadãos que tinham recebido o treinamento básico durante a paz (54% dos homens franceses em idade militar antes de 1914 tinham recebido esse treinamento). Os antigos exércitos profissionais, de pequenos efetivos, não tinham mais lugar na nova guerra de massa, e isso forçou o Brasil a adotar o recrutamento em 1917 – um fato de grande efeito, pois até hoje nosso exército é formado por um grande número de conscritos que recebem treinamento básico, formando as reservas mobilizáveis em caso de guerra. 

Os beligerantes também prestaram apoio às forças nacionais, com o envio de missões militares e material de guerra. Os franceses cederam, por exemplo, trinta aviões, base de nossa incipiente aviação militar. Mais tarde, o Brasil contrataria uma missão militar francesa, para treinar nosso corpo de oficiais, fato que teria profundas implicações, já que duas gerações de oficiais foram treinados e instruídos pelos Franceses, entre 1921 e 1934. 

Do ponto de vista da paz, o Brasil enviou uma imensa comitiva para participar da conferência de Versalhes, chefiada pelo futuro presidente Epitácio Pessoa. Esta comitiva conseguiu incluir dois parágrafos no acordo de paz, um relativo à indenização de sacas de café apreendidas em portos alemães quando da declaração da Guerra e outro relativo a venda dos navios alemães apresados (menos dois, apreendidos pelos Franceses), ambas em condições favoráveis a nós. O Brasil também foi um dos fundadores da Liga das Nações, órgão que antecedeu as Nações Unidas e na qual nossos diplomatas colocaram grandes esperanças, pelo menos inicialmente. A decisão norte-americana de não participar da Liga, e medidas posteriores tomadas por esta, nos desiludiram, fazendo com que o Brasil abandonasse a Liga alguns anos depois, sendo a saída Brasileira considerada por muitos como um símbolo do fracasso daquela organização. 

Internamente, a Guerra implicou em uma transformação interna mais profunda. A necessidade de substituir importações tinha levado ao surgimento de um núcleo industrial maior e este tinha sido financiado, basicamente, por capitais norte-americanos, já que a Inglaterra, antiga financiadora primordial, não era mais capaz de faze-lo, marcando uma mudança de orientação na formação de nossa dependência econômica, situação que só viria a se acentuar ao longo das décadas seguintes. 

De um ponto de vista econômico mais imediato, a crise da Guerra não seria totalmente solucionada com o término do conflito. A isso somava-se a visão de diversos setores – interessados na modernização do País – de que uma economia dependente de apenas um único produto agrícola não era aceitável, o Brasil precisando de reformas econômicas e sociais. Esta visão de que reformas eram necessárias, claramente representada pelos oficiais mais jovens das forças armadas, os Tenentes, fizeram com que o período que se seguiu a Guerra fosse marcado por revoltas internas, como o movimento dos “18 do Forte” e a coluna Prestes – todo o mandato de Epitácio Pessoa (1922 a 1926) foi passado com o país em Estado de Sítio devido a estes movimentos e o problema só se resolveria em 1930, com a ascensão ao poder de Vargas e a queda do poder dos cafeicultores de São Paulo. 

Desta forma, mesmo que a participação brasileira no conflito tenha sido restrita, a 1ª Guerra teve profundas e duradouras consequências, tanto militares, como sociais e econômicas, que irão levar ao fim do monopólio político pelas oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Assim como a industrialização promovida pela política econômica nacionalista de Vargas e ampliada por Juscelino Kubitschek com seu nacional desenvolvimentismo, com capital internacional, durante a Guerra Fria.


Créditos: Adler Homero Fonseca de Castro

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