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terça-feira, 25 de junho de 2013

Pan-africanismo e Pan-arabismo: duas histórias na busca por identidade e força

Por: Ederson Santos Lima

O “nascimento” do Oriente Médio e a dominação imperialista


Ao pensarmos no ideal pan-arábico ou nacionalismo árabe ou ainda arabismo, é importante deixar claro o que vem a ser a região que denominamos de Oriente Médio e que congrega grande parte dos países árabes e/ou islamizados.

O termo Oriente Médio foi cunhado pelos britânicos para designar uma região que ficava entre o Mar Mediterrâneo e as fronteiras da Índia, então colônia inglesa. A região hoje conta com, aproximadamente, 230 milhões de pessoas, que professam as três grandes religiões monoteístas além de outras crenças que possuem um número menor de adeptos. São falados na região pelo menos seis idiomas, além de diversos dialetos, entre as mais diferentes etnias.

Outra questão que, de certa forma, é relevante para compreendermos a região é a distinção entre árabe e islamizado. Inicialmente, eram considerados árabes apenas aqueles habitantes da península da Arábia. Hoje são enquadrados nesse termo todos aqueles povos que, ao serem dominados pela expansão árabe, adotaram a língua e a cultura desse povo originário da península, tais como a Argélia e o Marrocos, que se encontram no norte da África. Com relação ao termo islamizado, ele é utilizado para aqueles povos que adotaram a religião islâmica, porém mantiveram sua língua e seus costumes originais, como é o caso do Irã, que até hoje adota o persa, e a Turquia, que utiliza o turco. (Grinberg, p. 100).

Como destaca Grinberg, “de um modo geral, são árabes aqueles que se identificam com a língua, a cultura e os valores dos árabes, e são muçulmanos aqueles que seguem a religião do islã, fundada por Maomé.” (p.101)

A região foi dominada pelos turco-otomanos do século XVI até o fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918), quando o Império Turco-otomano foi derrotado, extinto e redividido pelas potências europeias (França e Inglaterra). 

Durante essa fase, já no final do século XIX, período de decadência do Império Turco, surgiram as primeiras ideias que formariam o pensamento pan-arábico. Para alguns, a ideia pan-arábica teria surgido nos meios literários e intelectuais da cidade de Damasco. Um dos movimentos, que foi além da teoria, foi liderado por Hussein, que pretendia estruturar um Reino Árabe incluindo a Arábia, a Síria, o Iraque e a Palestina. Nessa luta pelo Reino Árabe e contra os turco-otomanos, Hussein teve a ajuda do famoso Lawrence da Arábia, um coronel britânico que apoiou e ganhou o respeito dos povos árabes.

Com o fim da Primeira Guerra, o território do Império Turco-Otomano foi dividido entre franceses e ingleses. A Turquia tornou-se uma república independente, a Síria ficou sob mandato francês; o Iraque e a Transjordânia (transformada em Jordânia em 1948) sob domínio britânico e dada aos filhos de Hussein, Faissal e Abdallah. A Arábia Saudita acabou sendo “fundada” por Ibn Saud, um líder religioso e político da região. (Grinberg, p. 104).

Portanto, o sentimento pan-arábico — que a princípio (final do XIX e início do XX) se voltava contra a dominação turca — passou a atacar o imperialismo europeu que dominou a região. Para completar o quadro, é importante destacar o movimento sionista que comprava muitas fazendas na região da Palestina e também era visto por muitos como um braço imperialista europeu na região. Formou-se, então, o quadro extremamente complexo para os defensores de um “nacionalismo árabe”.

Do Nasserismo ao regime dos petrodólares

Já durante a Segunda Guerra Mundial, os líderes árabes passaram a discutir a formação de uma instituição que congregasse as forças e os interesses das mais diferentes populações árabes. Assim, ao final da Segunda Guerra Mundial, foi criada a Liga Árabe, que tinha como característica primordial as gigantescas diferenças entre os objetivos de cada um de seus membros. Talvez essa seja a grande característica do movimento pan-arábico: as eternas diferenças de objetivos entre os países e seus líderes.

Dois fatores parecem ter contribuído para a consolidação de um movimento pan-arábico:

a criação de Israel em 1948 e a derrota dos países da Liga Árabe na tentativa de destruir o recém-criado país. A derrota até certo ponto uniu os árabes num sentimento de revanche contra Israel; 
a implantação da Guerra Fria entre soviéticos e norte-americanos levou os árabes a adotar um certo sentimento terceiro-mundista que preconizava independência de ação e de ideal para com EUA e URSS. 

Dentro desse contexto de Guerra Fria, em que o pan-arabismo passa a valorizar a independência do Terceiro Mundo bem como a luta anti-sionista (Israel) é que surge o mais importante líder do movimento: Gamal Abdel Nasser. Esse oficial egípcio havia liderado, em 1952, uma revolta contra o rei Faruk, que acabou abdicando do trono. Entre 1952 e 1954, governou o Egito como primeiro-ministro até ser eleito presidente em 1956. Nesse mesmo ano, ganhou notoriedade mundial ao nacionalizar o Canal de Suez , que até então estava sob domínio internacional (britânico) e utilizar os lucros oriundos da travessia para a construção da Barragem de Assuã. Essa decisão fez com que Nasser submergisse do conflito como o maior porta-voz do mundo árabe, tanto nas relações com os Estados Unidos, Europa e ONU quanto no conflito com Israel, e representasse o auge do movimento pan-arábico (década de 1960).

Uma das consequências dessa fase de auge do arabismo foi o interesse árabe em redefinir as cláusulas draconianas estabelecidas com as empresas estrangeiras de exploração de petróleo. Essa discussão acabou na criação na OPEP — Organização dos Países Exportadores de Petróleo em 1960 e da OPAEP — Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo em 1968, bem como na finalização do Acordo de Teerã em 1971. O conjunto dessas medidas redefiniu as relações entre produtores, exploradores e consumidores de petróleo.

Ao redefinir as relações entre produtores e consumidores do “ouro negro”, a década de 1970 também colocou mais países árabes na roda de poder, visto que o dinheiro do petróleo lhes dava mais força que tinham tido até então. Portanto, o fortalecimento dos países produtores de petróleo, uma vitória do arabismo, também foi uma das causas do seu declínio e de seu principal líder: Nasser. A ideia central do arabismo — qual seja “Só há uma Nação Árabe com direito a viver em um único Estado unido” — naufragou na medida em que aumentava a riqueza dos petrodólares e a dependência comercial, cultural e política em relação aos Estados Unidos. 

Com a morte de Nasser em 1970, desapareceu o principal líder, que nunca mais seria substituído à altura, nem mesmo no curto período em que Saddam Hussein governou o Iraque nos anos 90, com “aura” de grande líder do mundo árabe, contra as potências capitalistas e Israel. A ascensão de Saddam foi dificultada já na Guerra do Golfo, que não somente colocou Saddam como “grande inimigo” do Ocidente, como também fez com que o próprio mundo árabe acabasse por ficar na defensiva, fato este verificado pelos longos cinco anos em que os membros da Liga Árabe não se reuniram.

O Pan-arabismo na atualidade

Com a saída de Nasser do jogo político, houve a ascensão de Anuar Sadat que colocou o Egito numa trilha de aproximação com Israel e com o Ocidente, em especial os Estados Unidos. É importante lembrar que, na década de 70, como resultado dessa aproximação, foi assinado o Acordo de Camp David (1978) que selou a paz entre Israel e Egito, sob a batuta do governo norte-americano. Esse posicionamento egípcio acabou isolando o país africano dos demais países árabes que não aceitaram a política de aproximação com o Ocidente.

Atualmente, pouco restou das tentativas de unificação árabe. Percebe-se que há muito mais a intenção de cooperação do que propriamente integração ou união árabe. 

Com relação ao restante do mundo, percebe-se que com a ausência de um país que tivesse condições de liderança na região do Oriente Médio, esta foi assumida por um país externo: os Estados Unidos. Segundo a professora Silvia Ferabolli, em artigo que analisa as relações internas e externas do mundo árabe, essa liderança externa mostra-se muito mais interessada no controle do sistema geopolítico do Oriente Médio visando a uma estabilização no fluxo petrolífero do que propriamente no mundo árabe. Além disso, a estratégia norte-americana parece apontar para a integração do sistema do Oriente Médio com a inclusão de Israel no centro, como única potência regional. A Europa também pouco se mostra interessada além de acordos bilaterais com objetivos comerciais.

Por outro lado, também não podemos demonizar as intromissões norte-americanas na região, visto que as petromonarquias pouco fizeram para obter uma independência política e econômica do Ocidente. Ao longo das últimas quatro décadas, com raras exceções, foram realizadas ações no sentido de melhor distribuir as riquezas do petróleo e reduzir as desigualdades sociais bem como inserir essas populações em um mundo cada vez mais globalizado e conectado.

Crédito: National Arquives Identifier: 181133 - NLC-WHSP-C-07301-26 
Reunidos em Camp David, os líderes Jimmy Carter,
dos Estados Unidos (ao centro), Menahem Begin, de Israel 
(ao lado esquerdo), e Anwar Sadat (no lado direito)

As origens do Pan-africanismo

Apesar de elencar como uma de suas prioridades a união entre os diferentes países africanos, a ideia de união pan-africana não nasceu no continente negro. Aliás, teve sua origem muito longe: no continente americano. Um de seus principais líderes foi Sylvester Willians, um advogado de Trinidad que conseguiu organizar a Primeira Conferência Pan-Africana em 1900, na cidade de Londres. Essa conferência teve como objetivo primordial a criação de um movimento que gerasse um sentimento de solidariedade com relação às populações negras das colônias. Sylvester Willians era um dos vários intelectuais negros da região do Caribe e sul dos Estados Unidos que juntos buscavam uma condição mais digna para as populações negras das áreas colonizadas.

Uma das primeiras resoluções dessa conferência realizada em Londres foi em defesa dos negros da atual África do Sul que estavam sofrendo com o confisco de terras por parte de ingleses e de descendentes de holandeses (africânderes).

Outro líder importante nos primórdios do pan-africanismo foi Burghart Du Bois, que fundou a Associação Americana para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP) e, em seguida, organizou o Primeiro Congresso Pan-Africano em Paris, no ano de 1919.

Já em 1945, outro líder de Trinidad organizou na cidade de Manchester o V Congresso Pan-Africano, no qual foi aprovado um lema que mostrava bem o objetivo do movimento: “Resolvemos ser livres; povos colonizados e subjugados do mundo inteiro, uni-vos”.

A partir desse congresso tais ideias já criavam raízes e eram adotadas por vários líderes que viviam em território africano, sejam eles políticos ou intelectuais, que as colocariam em prática, numa luta em geral sangrenta contra os até então poderosos impérios colonialistas europeus, em especial França e Inglaterra. Entre esses novos líderes, destacam-se: Jomo Kenyatta (Quênia), Peter Abrahams (África do Sul), Hailé Sellasié (Etiópia), Namdi Azikiwe (Nigéria), Julius Nyerere (Tanzânia), Kenneth Kaunda (Zâmbia) e Kwame Nkrumah (Gana).

Crédito: Corel Stock Photos
Memorial em homenagem a Kwame Nkrumah, Gana, África
Pan-africanismo e a realidade africana

Nos congressos e conferências pan-africanas, a ideia de união foi discutida e se encaixava perfeitamente nas necessidades de independência e de liberdade dos povos africanos subjugados pelos europeus. Porém, com o tempo e com as independências que passaram a ocorrer, outros interesses vieram à tona, dificultando as relações entre os próprios governos recém-independentes.

Nesse contexto, o VI e o VII Congresso Pan-Africano — realizados, respectivamente, nas cidades de Kumasi (1953) e Accra (1958) — foram reuniões nas quais as divergências fizeram surgir duas vertentes bem distintas do pan-africanismo: o Grupo Casablanca e o Grupo Monrovia. 

O primeiro (Casablanca), liderado por Kwame Nkrumah, de Gana, era composto por Egito, Marrocos, Tunísia, Etiópia, Líbia, Sudão, Guiné-Conacry, Mali e o Governo Provisório da República da Argélia. Defendeu a ideia de que no final deveria ser formada uma nova instituição política e nacional: os Estados Unidos da África, que superaria as divisões e fronteiras criadas artificialmente pela Conferência de Berlim de 1885. O sonho dessa vertente era fazer do continente negro um ator importante no cenário mundial, pois unindo a África política, econômica e militarmente esse objetivo seria certamente alcançado.

Já para o grupo Monrovia, que tinha como liderança principal o presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouet Boigny, as fronteiras determinadas pela Conferência de Berlim eram intocáveis, pois cada país tinha o direito à autodeterminação e à soberania sobre seu próprio destino. Esse grupo também foi responsável pela fundação, em 1963, de uma das principais entidades de organização africana: a OUA — Organização da Unidade Africana.

Nenhum dos dois grupos atingiu seus objetivos, muito pelo contrário. O nacionalismo africano, assim como o pan-arabismo, praticamente se restringiu à retórica de seus líderes.

O Pan-africanismo hoje

Diante dos fracassos da OUA e da ideia de formação dos Estados Unidos da África, surgiu, em julho de 2001, a União Africana, cujas estruturas burocrático-administrativas e decisórias em muitos aspectos se assemelham às da União Europeia. 

Cabe aos países-membros da União superar as dificuldades de estruturação da nova entidade e tirá-la do papel e das meras intenções políticas, concretizando ferramentas que realmente possam contribuir para que a África supere suas dificuldades econômicas, políticas e sociais e avance para uma cooperação realmente coletiva entre seus países.

Entre essas questões, destacam-se algumas: que tipo de entidade/organização poderia intervir em situações de crimes humanitários ou guerras? Haverá um dispositivo militar à disposição diretamente da União Africana? Haverá instituições de fomento semelhantes ao FMI, BID ou outra forma de contribuir para o desenvolvimento dos países? 

Quando os africanos decidirem algumas dessas questões e outras que estão no caminho, certamente a trilha do pan-africanismo será mais facilmente percorrida e talvez chegue a condições até inimagináveis pelos pais do pan-africanismo do outro lado do Atlântico.

Bibliografia

DÖPCKE, Wolfgang. A vida longa das linhas retas: cinco mitos sobre as fronteiras na África Negra. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, v.42. n.1. jan./jun. 1999.

FERABOLLI, Silvia. Relações internacionais do Mundo Árabe (1954-2004): os desafios para a realização da utopia pan-arabista. Contexto internacional. Rio de Janeiro, v. 29, n.1, p. 63-97, jan./jun. 2007.

GRINBERG, Keila. O mundo árabe e as guerras árabe-israelenses. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. O tempo das dúvidas: do declínio das utopias às globalizações. O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.100-131.

REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. O tempo das dúvidas:do declínio das utopias às globalizações. O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 

TSHIVEMBE, Mwavila. A difícil gestação da nova união. Disponível em: Acesso em: 15 jan. 2010.

WEDDERBURN, Carlos Moore. Abdias Nascimento e o surgimento de um Pan-africanismo contemporâneo global. Prefácio de NASCIMENTO, Abdias. O Brasil na mira do pan-africanismo. Salvador: CEAO/ EDUFBA, 2002. p. 17-32.



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