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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um mapa da exclusão social na Idade Média


Não foram apenas as condições sociais de pobreza e miséria que excluíram pessoas e grupos na Idade Média. Além dos servos, camponeses e trabalhadores pobres, as mulheres, as crianças, os doentes, os imigrantes, os hereges e os judeus também compartilhavam da exclusão social.

Algumas reflexões sobre as mulheres na Idade Média

O domínio que a sociedade ou os homens exerceram sobre as mulheres no processo histórico será compreendido no decorrer deste conteúdo estruturante. Na Idade Média, também ocorreram estas relações de dominação; as mulheres estavam submetidas à autoridade do pai ou do marido e tinham como destino certo o casamento, senão com um esposo escolhido pelo pai, num acordo de negócios, com Cristo, ao ser enviada para algum convento (era comum dizer que freiras tornavam-se esposas de Cristo).

As mulheres mais pobres realizavam o trabalho nas lavouras ou nas oficinas de artesãos para o sustento da família. Já as mulheres nobres eram educadas para o matrimônio e a maternidade. A Igreja Católica dava o suporte ideológico para a manutenção da submissão feminina. Quando conveniente, os representantes da Igreja consideravam a mulher responsável pelas desgraças ocorridas na sociedade, chegavam a responsabilizá-la pelo “pecado original” da humanidade, referindo-se à sedução de Adão por Eva no Jardim do Éden. 

Dificilmente a historiografia tradicional demonstrou manifestações de resistência das mulheres à condição de dominação a que estavam submetidas na Idade Média. Porém, as mulheres estiveram presentes; a necessidade de conquistar igualdade e dignidade era comum a todos os que viviam em condição de exclusão social. Para as mulheres, além da luta pela condição social, estava a luta pelo respeito e reconhecimento de sua identidade.

Veja este fragmento do conto Yvain, de Chrétien de Troyes (1135-1183), escrito por volta de 1180, sobre as tecelãs de seda, na Inglaterra:

Sempre teceremos panos de seda
E nem por isso vestiremos melhor,
Seremos sempre pobres e nuas
E teremos sempre fome e sede;
Nunca seremos capazes de ganhar tanto
Que possamos ter melhor comida.
Sem mudança teremos pão
De manhã, pouco, à noite menos;
Pois da obra de nossas mãos
Nenhuma de nós terá para se manter
Mais que quatro dinheiros de libra,
E com isso não poderemos 
Ter bastante carne e panos;
Pois quem ganha por semana
Vinte soldos não está livre de sofrer ...
E estamos em grande miséria,
Mas, com os nossos salários, enriquece
Aquele para quem trabalhamos;
Grande parte das noites fcamos acordadas
E todo o dia, para isso ganhar.
Ameaçam-nos de nos moer de pancada
Os membros quando descansamos:
E assim, não nos atrevemos a repousar.
(Extraído de LE GOFF, 1994, p. 65). 

Algumas reflexões sobre os hereges da Idade Média

A Igreja Católica exerceu influência política e cultural durante a Idade Média e foi criticada de várias formas por sua concentração de riquezas. O surgimento de grupos heréticos e ordens mendicantes como os franciscanos e os dominicanos, na Europa ocidental, a partir do século XII, podem ser compreendidos também como movimentos de resistência às imposições e concentração de poder em nome da Igreja.

Qualquer grupo que defendesse ideias contrárias às ideias “oficiais” do papa e do alto clero, ou às posições dogmáticas da Igreja, seria considerado herege. Entre os principais grupos estão os albigenses e os valdenses.

Os albigenses, da cidade de Albi, na França, defendiam a existência de uma igreja a favor dos pobres e excluídos e sem concentração de riquezas, especialmente terras. Criticavam luxo em que vivia o alto clero e sua influência política.

Os valdenses, dispersos em várias regiões da Europa ocidental, defendiam a pobreza, a oração e a penitência como forma de aproximação entre o homem e Deus.

Além das críticas contra a riqueza e postura moral da Igreja, os hereges, em alguns momentos, tentaram, por meio de saques, dividir os seus bens. Para reprimir estes movimentos, a Igreja criou, entre o século X e XI, o Tribunal da Inquisição e as cruzadas. 

As cruzadas são mais conhecidas por suas lutas contra judeus e muçulmanos, nas terras da Palestina, mas também ocorreram cruzadas internas contra cidades de hereges, como o caso da cidade de Albi. Nos tribunais havia julgamento e condenação, normalmente em fogueiras, para promover a purificação da alma.

Os judeus que viviam na Europa Ocidental, em regiões predominantemente católicas, foram perseguidos, excluídos em nome de suas tradições e religião. Ficavam restritos às periferias das cidades, eram obrigados a usar um símbolo, uma marca e o som de uma matraca denunciava os caminhos que faziam. Eram responsabilizados pela morte de animais, por catástrofes naturais como secas e enchentes. Eram comparados às mulheres que preparavam remédios de ervas, e, por isso, acusados de bruxaria. Para fugir da morte na fogueira, muitos judeus juravam o cristianismo e passavam a ser tratados como cristãos-novos.

Algumas reflexões sobre os doentes na Idade Média

Havia um ditado popular na Idade Média: “depois da fome, a peste come”. O que demonstrava como as doenças poderiam provocar uma catástrofe social. Os pobres, pela alimentação e moradias precárias, eram as primeiras vítimas das doenças que, além de enfrentá-las, tornavam-se também vítimas do abandono, da indiferença e da exclusão do convívio em sociedade. 

As doenças que mais provocavam estas reações, entre outras, foram a peste negra e a hanseníase. Porém, qualquer doente, ferido ou portador de necessidades especiais, era considerado, nas sociedades europeias da Idade Média, um pecador. Seu sofrimento era explicado como consequência da vontade de Deus para a remissão de seus pecados e como não podia conviver entre os sãos, era expulso para os arredores das cidades, em leprosários (locais onde eram segregados os portadores de doenças da pele, inclusive a hanseníase) ou hospitais (que funcionavam mais como estalagens). Mesmo quando resistiam à imposição de viver nos arredores e retornavam às cidades ou vilas, para esmolar, eram perseguidos por sinos ou tambores e apedrejados. 

A hanseníase 

A hanseníase (popularmente chamada de lepra) é uma doença reconhecida desde as civilizações da antiguidade. Existem relatos bíblicos, que datam de 2.000 a.C., descrevendo sua ocorrência. 

Mas o que é realmente este mal? É uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium leprae, uma bactéria que afeta a pele e os nervos. É conhecida também como mal de Hansen, do nome de Gerhard Henrick Armauer Hansen (1841-1912), cientista norueguês que, em 1874, identificou o agente causador da doença. 

Normalmente manifesta-se por manchas na pele, mas não provocam dor, pois a bactéria afeta os neurotransmissores desta função. Apresenta-se em quatro formas clínicas: indeterminada, tuberculoide, dimorfa e virchowiana. Estas duas últimas formas clínicas são as contagiantes, embora o contágio possa se manifestar entre 02 a 20 anos. Estima-se, segundo recentes pesquisas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que mais de 10 milhões de pessoas no mundo sejam portadoras da hanseníase.

Esta doença foi trazida ao Brasil pelos colonizadores portugueses, no século XVI. Seu tratamento e erradicação tornaram-se nas décadas de 1990 e 2000, uma prioridade para a saúde pública, pois nosso país está em 4º lugar na incidência dos casos. O tratamento é a base de anti-bióticos numa poliquimioterapia. A prevenção, para algumas formas, se faz por meio da vacina BCG. 

A hanseníase deixou como consequência, em vários momentos da História da humanidade, a exclusão do convívio social, separando os doentes dos saudáveis. Veja as considerações de um historiador sobre esta doença na Idade Média:

Chamava-se lepra a muitas doenças. Toda erupção pustulenta, a escarlatina, por exemplo, qualquer afecção cutânea passava por lepra. Ora, havia, com relação à lepra, um terror sagrado: os homens daquele tempo estavam persuadidos de que no corpo reflete-se a podridão da alma. O leproso era, só por sua aparência corporal, um pecador. Desagradara a Deus e seu pecado purgava através dos poros. Todos acreditavam, também, que os leprosos eram devorados pelo ardor sexual. Era preciso isolar esses bodes.
(DUBY, 1999, p. 91).

A peste negra

Já a peste negra, em 1348, foi responsável pela morte de um terço da população européia. A doença pode ter sido trazida por comerciantes vindos do oriente e por corpos contaminados jogados no Mar Mediterrâneo.

A estrutura de saneamento urbano – muito precária nas cidades europeias que inchavam com o renascimento urbano, por volta do século XIV – e os celeiros que guardavam cereais nos campos colaboraram para a proliferação de ratos e a disseminação da doença. As pulgas dos ratos carregam o bacilo Yersinia pestis, causador da peste, e estes, quando contaminados por meio das suas fezes, saliva ou urina, são os vetores, ou seja, os condutores que transmitem a doença, podendo causar uma epidemia. 

Ainda hoje, apesar da descoberta de tratamento, existem focos da doença em regiões de pouca estrutura e falta de tratamento do lixo urbano. No Brasil, nunca ocorreu uma epidemia de peste negra, mas ela foi detectada, especialmente em 1899, nas cidades portuárias do país. O médico e cientista brasileiro Adolfo Lutz (1855-1940), no início do século XX, conseguiu controlar a doença na cidade de Santos, combatendo a população de ratos. Atualmente, os focos da doença concentram-se nas regiões nordestinas. 

Os homens medievais que presenciaram a peste detectavam-na pelas infecções pulmonares (peste pneumônica), ínguas ou bubões (peste bubônica) próximos aos gânglios e manchas vermelhas ou feridas na pele. Entre os principais sintomas, identificavam febre alta e paralisação de alguns órgãos, especialmente os rins. O contágio poderia ocorrer em algumas situações de contato com os roedores ou com outras pessoas já contaminadas. Isto permitiu o surgimento de algumas medidas, que acreditavam poder controlar a doença: aspersão do dinheiro ou de cartas com vinagre, desinfecção de roupas e casas com enxofre ou perfume forte, colocação de balcões entre vendedores e compradores, uso de espátulas para distribuir a comunhão nas missas, uso de luvas e capas pelos médicos, entre outras que mantinham a distância e isolamento de pessoas.

Um dos maiores relatos da peste em Florença, na Itália, no ano de 1348, está no livro Decameron, escrito em 1353 pelo escritor italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375). É uma obra importante na literatura medieval, porque seu estilo em prosa testemunha o teocentrismo da época e acena para as primeiras mudanças renascentistas que valorizariam o antropocentrismo. Nesta obra, personagens narram a ocorrência e as consequências da peste negra em Florença com realismo e licenciosidade. Isto trouxe a Boccaccio a censura da Igreja Católica. 

Leia um fragmento da obra Decameron:

O desastre lançara tanto pavor no coração dos homens e das mulheres que o irmão abandonava o irmão, o tio o sobrinho, a irmã o irmão, amiúde mesmo a mulher o marido. E o que é mais forte e quase inacreditável: os pais e as mães, como se seus filhos não mais lhes pertencessem, evitavam vê-los e ajudá-los. 
(BOCCACCIO apud WOLFF, 1988, p. 26).

Disponível em SEED

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