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sábado, 20 de agosto de 2011

África Antiga *


A respeito da história da África Antiga, parece desde já possível tirar certas conclusões, formular algumas hipóteses, muito embora – nunca é demais sublinhá-lo – um trabalho considerável ainda esteja por ser feito.

Os capítulos consagrados ao antigo Egito demonstram que antes do terceiro milênio da Era Cristã já se havia atingido ali um nível intelectual, social e material mais elevado do que na maioria das outras regiões do mundo. Remontando à noite dos tempos, original e rica de iniciativas, a civilização do antigo Egito – que nasceu da conjunção de um meio favorável e de um povo decidido a dominá-lo com real conhecimento – durou quase três milênios. O papel dos elementos naturais no desenvolvimento dessa civilização é sem dúvida importante e notável, mas apenas na medida em que os egípcios lutaram para dominar seu meio ambiente, superar as dificuldades e os problemas por ele colocados e pô-la a serviço de sua prosperidade.

Com a invenção da escrita, no curso do período pré-dinástico, o Egito antigo deu um grande passo no sentido da civilização. A escrita ampliou o campo da comunicação humana, abriu as mentes, estendeu os conhecimentos. Sua invenção foi mais importante do que qualquer êxito, militar ou de outra ordem, dos egípcios. Os primeiros caracteres remontam aproximadamente ao ano 3200 antes da Era Cristã; ainda hoje a língua copta é utilizada nas igrejas coptas do país. Pode dizer-se que essa língua, que atravessou cinquenta séculos, é o mais antigo idioma do mundo. A invenção da escrita foi a principal etapa que os egípcios passaram na longa trajetória que conduz à civilização e à prosperidade.

Nosso conhecimento sobre o antigo Egito deve-se principalmente à descoberta da escrita e ao estabelecimento de uma cronologia. Já não utilizamos hoje o mesmo sistema, porquanto os antigos egípcios datavam os acontecimentos cuja lembrança desejavam conservar em função do rei que governava na época. Mas, com a ajuda desse sistema, o historiador Manêton de Sebennytos pôde classificar os soberanos do Egito em trinta dinastias, de Menés a Alexandre, o Grande. Os eruditos modernos reagruparam várias dinastias sob o nome de Impérios: há, assim, o Antigo Império, o Médio Império e o Novo Império.

Embora o Egito estivesse aberto às correntes culturais vindas sobretudo do Oriente, este volume mostra que, em grande medida, a civilização repousa em bases africanas; mostra igualmente que o Egito, que é uma parte da África, foi outrora o principal centro da civilização universal, de onde se irradiaram a ciência, a arte e a literatura, influenciando principalmente a Grécia. Nos domínios da matemática (geometria, aritmética, etc.), da astronomia e da medição do tempo (calendários, etc.), da medicina, da arquitetura, da música e da literatura (narrativa, lírica, dramática, etc.), a Grécia recebeu, desenvolveu e transmitiu ao Ocidente boa parte da herança egípcia    – do Egito faraônico e ptolomaico. Por intermédio da Grécia, a civilização do antigo Egito entrou em contato não apenas com a Europa, mas também com a África do Norte e mesmo com o subcontinente indiano.

As opiniões se dividem quanto ao problema do povoamento do Egito, objeto de estudos sérios e aprofundados. Espera-se que os grandes progressos realizados na metodologia da ciência antropológica permitam estabelecer, num futuro próximo, conclusões definitivas sobre o assunto.

Segundo as fontes mencionadas neste volume, a Núbia esteve, desde os primeiros tempos, estreitamente ligada ao Egito por uma série de semelhanças: semelhança física, em primeiro lugar, principalmente entre a Núbia e o extremo sul do Alto Egito; semelhança histórica e política, cuja importância intrínseca foi consideravelmente reforçada pelo aspecto físico; semelhança social, cultural e religiosa. Assim, do começo da primeira dinastia até o fim do Antigo Império, os egípcios se mostraram muito interessados pelo norte da Núbia, por eles considerado como elemento complementar de seu próprio país. Organizaram trocas comerciais com os núbios, exploraram os recursos naturais do território e responderam a toda resistência núbia com o envio de missões militares. Algumas expedições do Antigo Império, dirigidas por grandes pioneiros da viagem e da exploração, como Ony, Mékhu, Sabni e Khuefeher (Herkhuf), penetraram no Saara e talvez na África central.

O interesse do Egito pela Núbia traduziu-se particularmente na construção de numerosos templos, que se destinavam, a par de sua função religiosa, a ilustrar a civilização e a força do Egito, o poder e a santidade de seu soberano. Tal interesse explica-se sobretudo pelo fato de a Núbia ter constituído, desde tempos muito antigos, o lugar de passagem das mercadorias comerciadas entre o Mediterrâneo e o coração da África. Aliás, podem-se ver aí as ruínas de fortalezas dos períodos faraônicos, destinadas a proteger os comerciantes e a manter a paz nessas regiões.

Contudo, desde os tempos pré-históricos a Núbia constituía uma unidade geográfica e social, sempre habitada por povos cuja cultura se assemelhava à do alto vale do Nilo. Mas a partir de 3200 antes da Era Cristã os egípcios começaram a ultrapassar seus vizinhos do sul no domínio cultural e a progredir a passos de gigante no sentido da civilização; só muito tarde iria a Núbia segui-los. A civilização de Kerma, rica e próspera, floresceu na Núbia na primeira metade do segundo milênio antes da Era Cristã. Embora fortemente influenciada pela cultura egípcia, tinha ela suas próprias características locais. Após o início do primeiro milênio antes da Era Cristã, no momento do declínio do poderio egípcio, instalou-se uma monarquia autóctone (com a capital em Napata), que posteriormente viria a reinar no Egito. A dominação núbia no Egito, que durou cinquenta anos no decorrer do sétimo período (primeira parte da XXV dinastia), realizou a união entre os dois países. A fama dessa grande potência africana era excepcional, como testemunham os autores clássicos.

Após a transferência da capital para Méroe, a Núbia conheceu, até quase o século IX, um período de progresso e prosperidade e restabeleceu alguns contatos com seus vizinhos. A expansão da monarquia meroítica a oeste e ao sul, seu papel na difusão das ideias e das técnicas e na transmissão das influências orientais e ocidentais ainda estão em fase de estudo. Por outro lado, mesmo após a publicação deste volume, seria conveniente reanimar os esforços empreendidos para decifrar a escrita meroítica. Ter -se -ia assim acesso a informações diversas contidas em cerca de 900 documentos, e disporíamos, ao lado da língua faraônica, de uma nova língua clássica de caráter estritamente africano.

A partir do século IV da Era Cristã, o cristianismo começou a estender--se pela Núbia, onde os templos foram transformados em igrejas. A Núbia cristã desempenhou um papel histórico ativo, obteve numerosos êxitos e exerceu notável influência sobre seus vizinhos. A Núbia cristã conheceu a idade do ouro no século VIII, com seu primeiro período de desenvolvimento e prosperidade.

A Núbia permaneceu como monarquia cristã até a chegada do islamismo. Foi então invadida pela cultura islâmica árabe e perdeu muito do seu caráter tradicional.

Em vista de sua situação geográfica, a Núbia desempenhou um papel especial – por vezes involuntariamente – como intermediária entre a África central e o Mediterrâneo. O reino de Napata, o império de Méroe e o reino cristão fizeram da Núbia o ponto de ligação entre o norte e o sul. Graças a ela, a cultura, as técnicas e os instrumentos se expandiram até as regiões vizinhas. Prosseguindo incansavelmente nossas pesquisas, talvez possamos descobrir que a civilização egípcio-núbia desempenhou na África um papel análogo ao da civilização greco-romana na Europa.

A história da Núbia antiga ressurgiu recentemente, quando da elaboração do projeto da barragem de Assuã. Logo se tornou óbvio que tal barragem implicaria a submersão de dezesseis templos e de todos os túmulos, capelas, igrejas, inscrições na rocha e demais sítios históricos da Núbia, que o tempo até então deixara quase intactos. A pedido do Egito e do Sudão, a Unesco lançou em 1959 um apelo a todas as nações, a todas as organizações e a todos os homens de boa vontade, pedindo -lhes ajuda técnica, científica e financeira para salvar os monumentos da Núbia. O sucesso da campanha internacional que se seguiu salvou a maior parte desses monumentos, que representam séculos de história e encerram a chave das primeiras civilizações.


A realização de novas escavações arqueológicas nos arredores do sítio de Kerma, onde os ritos funerários eram idênticos, em particular, aos de Gana, da região de Dongola e dos oásis do sudoeste, poderia dar-nos uma ideia melhor sobre algumas afinidades culturais arcaicas e, talvez revelar-nos outros elos da corrente cultural entre o vale do Nilo e o interior da África. De qualquer modo, poderia fornecer-nos maiores esclarecimentos acerca do itinerário seguido por exploradores do Antigo Império, como Herkhuf.

A princípio, sob influência da Arábia do Sul, a Etiópia forjou uma cultura cuja força unitária é pouco conhecida. Fontes materiais que remontam ao segundo período pré-axumita provam a existência de uma cultura local que assimilara influências estrangeiras.

O reino de Axum, que durou aproximadamente mil anos a partir do primeiro século da Era Cristã, assumiu uma forma toda particular, diversa da do período pré-axumita. Como a do Egito antigo, a civilização de Axum era fruto de um desenvolvimento cultural cujas raízes mergulhavam na pré-história. Era uma civilização africana, produzida por um povo da África. No entanto, podem-se encontrar na cerâmica do segundo período pré-axumita traços de influência meroítica.

Nos séculos II e III, a influência meroítica foi predominante na Etiópia. A estela de Axum, há pouco descoberta, com o símbolo egípcio da vida (Ankh) e objetos ligados a Hátor, Ptah e Hórus, ao lado de escaravelhos, mostra a influência da religião egípcia de Méroe sobre as crenças axumitas.

O reino de Axum era uma grande potência comercial nas rotas que ligavam o mundo romano à Índia e a Arábia à África setentrional; era também um grande centro de informação cultural. Até o presente, estudaram-se somente alguns aspectos da cultura axumita e de suas raízes africanas. Muita coisa ainda deve ser feita.

A chegada do cristianismo provocou, como no Egito e em Méroe, grandes mudanças na cultura e na vida dos etíopes. O papel do cristianismo e sua persistência na Etiópia, sua influência no interior e no exterior desse território, são assuntos interessantes que merecem estudo mais aprofundado.

Considerando os limites de nossas fontes históricas, devemos esperar, para melhor conhecer a evolução da cultura líbia e o modo como reagiu à introdução da civilização fenícia, que os arqueólogos e os historiadores tenham progredido em seus trabalhos.

Em consequência, julgamos que a entrada do Magreb na história documentada ocorre com a chegada dos fenícios à costa da África do Norte, ainda que os contatos dos cartagineses com os povos do Saara e mesmo com aqueles que habitavam mais ao sul permaneçam mal conhecidos. Note-se, aliás, que a cultura da África do Norte não é devedora apenas dos fenícios: sua inspiração original é essencialmente africana.

Foi durante o período fenício que o Magreb entrou na história geral do mundo mediterrâneo; a civilização fenícia comportava elementos egípcios e orientais e era tributária de suas relações comerciais com os outros países do mediterrâneo. No último período dos reinos da Numídia e da Mauritânia, observa-se uma evolução no sentido de uma civilização em que as influências líbias e fenícias se mesclam.

Embora pouco se saiba sobre o Saara e seus aspectos culturais na Antiguidade, dispomos de algumas certezas: a aridez do clima não privou o deserto de toda vida nem de toda atividade humana; as línguas e a escrita se consolidaram e, graças aos camelos, cuja utilização cada vez mais se disseminou, havia meios de transporte que permitiam ao Saara desempenhar importante papel nas trocas culturais entre o Magreb e a África tropical.

Podemos, pois, concluir que o Saara, longe de ser uma barreira ou uma zona morta, tinha sua cultura e sua história, que ainda devem ser estudadas caso se pretenda descobrir a influência permanente do Magreb sobre o cinturão sudanês. Com efeito, sempre houve entre os países situados ao norte do Saara e a África subsaariana contatos culturais ativos que influenciaram profundamente a história do continente africano.

Até aqui, costumava-se situar o início da história da África subsaariana no século XV da Era Cristã, e isso por duas razões principais: a penúria de documentos escritos e a clivagem dogmática que os historiadores costumam estabelecer mentalmente entre essa região do continente, de um lado, e o Egito antigo e a África do Norte, de outro.

A despeito das lacunas e insuficiências das pesquisas efetuadas, este volume contribui para mostrar a possibilidade da existência de uma unidade cultural do conjunto do continente nos mais variados domínios.

Formulou-se a teoria de um liame genético entre o egípcio antigo e as línguas africanas. Se as pesquisas o confirmarem, ter-se-á a prova de uma profunda unidade linguística do continente. A semelhança das estruturas reais, as relações entre os ritos e as cosmogonias (circuncisão, totemismo, vitalismo, metempsicose, etc.), a afinidade das culturas materiais, os instrumentos de cultura, são exemplos de questões que estão a merecer estudos mais aprofundados.

Além do mais, satisfeita a terceira condição para a redação dos volumes I e II, a saber, a reconstituição da rede de rotas africanas desde os tempos proto-históricos, bem como a determinação da extensão das áreas cultivadas no decorrer do mesmo período a partir da análise de fotografias tiradas por satélite, teremos ampliado e aprofundado nosso conhecimento sobre o grau de ocupação do solo e sobre as relações culturais e comerciais que se estabeleceram no interior do continente naquela época.

Um trabalho mais extenso sobre etnônimos e topônimos deverá possibilitar a determinação de correntes migratórias e de relações étnicas insuspeitadas de uma a outra extremidade do continente. 

O texto faz parte da coleção História Geral da África, disponível em sua íntegra no site do Ministério da Educação.


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